sexta-feira, julho 30, 2004

Chegue-se pra lá!

Acreditando que há um grau óptimo de distância (física) entre as pessoas, foram surgindo algumas teorias. A minha favorita divide a distância pessoal em quatro tipos: a íntima (cerca de 50cm), a pessoal (até 150cm), a social (varia entre os 120 e os 360cm) e a pública (para além dos 3,5m!). Ora o que tá mal nisto tudo é que poucos respeitam a primeira, tornando-a a única distância entre indivíduos que não se conhecem. Como diz Margarida Marques no artigo "Saber guardar distâncias": a distância íntima "é uma verdadeira zona interdita, onde o nosso odor e a nossa temperatura estabelecem os limites: nessa zona "perigosa" deixamos entrar os seres dos nossos afectos e defendemo-nos das ofensivas por uma rigidez muscular e um olhar vago e longínquo".
Quando o espaço pessoal é invadido por estranhos, ocorre um esforço para restabelecer esse espaço ou para afastar o intruso. "Fisher e Byrne (1975) verificaram que os indivíduos do sexo masculino respondem de modo mais negativo do que as mulheres à invasão do espaço pessoal a partir da frente, ao passo que as mulheres respondem mais negativamente às invasões do espaço pessoal que venham dos lados" (Goldstein, 1983).
Isto é interessante, porque eu devo situar-me no meio. E onde deveria estar a virtude, está o roço.
Na paragem quase deserta do autocarro, aproxima-se uma mulher que se postra exactamente a 5cm de mim. Ora eu não sou desconfiada, mas isto torna-me desconfortável. Dou um passo ao lado e ela segue-me prontamente, levantando as sacas do chão e recolocando-as quase em cima dos meus pés. TÁ MAL! A vontade de dizer "chegue-se pra lá!" é abafada pela vergonha e lá fico eu a aguentar o bafo de carne assada.
Entra um indivíduo no autocarro. Corre com o olhar os assentos vagos e decide sentar-se ao meu lado. Não é gordo mas tende a abrir demasiado as pernas. TÁ MAL! Porque eu tenho de me colocar numa posição incômoda e seguir viagem num esforço constante para não me roçar nele.  A vontade de dizer "chegue-se pra lá!" é abafada pela vergonha e lá vou eu apertadinha contra a janela, a torcer para que o fulano se digne a reparar no meu desagrado ou a sair na próxima paragem.
Imediatamente atrás de mim, numa fila interminável para pagar a factura da luz, encontra-se um homem a cheirar a cavalo. TÁ MAL! Mais uma vez, a vontade de dizer "chegue-se pra lá!" é abafada pela vergonha e a sensação de náusea continua.
As pessoas têm esta tendência para invadir o espaço pessoal do próximo como que a conquistar um novo território. São intrusos e praticantes devotos do roço. Benditos animais que podem delimitar o seu espaço com urina!
É aqui que estabeleço uma comparação entre os portugueses e os árabes. Se não, leiam: "Para os árabes não existe isso que denominamos intrusão em público. Público significa público. Compreendendo-se esse facto, grande parte do comportamento dos árabes que chega a causar uma sensação de estranheza, desagrado e, por vezes, até mesmo de medo passa a ser entendida. Por exemplo, verifiquei que, se A está na esquina de uma rua e B quer o lugar de A, B está no seu direito se faz o que pode para molestar A de tal maneira que este saia do local. Em Beirute, só os mais arrojados se sentam na última fila de um cinema, porque geralmente há pessoas de pé que se querem sentar, que empurram, que dão cotoveladas e causam tal perturbação que a maioria das pessoas sentadas na última fila desiste e sai..." diz Hall.
E então fez-se luz! A mulher na paragem queria entrar em primeiro lugar no autocarro; o homem no autocarro queria, na verdade, sentar-se no meu lugar, perto da janela; e o homem na fila queria diminuir o seu tempo de espera, fazendo com que eu desistisse e voltasse numa outra altura!

Sem comentários: